Mesmo que o processo de
seleção de participantes desta I Oficina Nacional de Construção
de Políticas Públicas para Povos Tradicionais de Terreiros em São
Luís/MA não tenha primado pela escolha de delegados em plenárias
estaduais, o rigor de uma ética muito pessoal me faz documentar
minha avaliação de participação no evento como uma espécie de
prestação de contas para àqueles que esperam resultados práticos
dessas instâncias de diálogo com a gestão da cultura na esfera
federal.
Memória
das lutas.
Tudo
permanecerá
Do
jeito que tem sido
Transcorrendo
Transformando
Tempo
e espaço navegando
Todos
os sentidos...
(Tempo
Rei, Gilberto Gil)
Primeiro vale lembrar que
esta oficina é a conclusão de um processo iniciado na II
Conferência Nacional de Cultura – II CNC, que aconteceu em
Brasília em março de 2010, e que ela aconteceu 20 meses (quase dois
anos) depois do MinC acordar este evento com as lideranças de
terreiros que estavam presentes naquela conferência.
E com esta constatação,
a primeira pergunta que me faço, e que apenas os gestores do
ministério podem responder, é: por quê de tanta demora para
realizar este evento e dialogar com os povos de terreiro?
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Primeiros contatos com os participantes no Praia Mar Hotel. |
A segunda pergunta
pertinente é sobre a escolha do processo de inscrição e seleção
de participantes, que considero excludente e elitista. Poucos foram
os que tiveram acesso à informação da realização do evento –
foi divulgado apenas na internet - e poucos foram os que conseguiram
chegar até a fase de seleção e que tiveram suas propostas de
inscrição no evento avaliadas pela comissão.
Mas a resposta para esta
pergunta eu ouvi de representantes do MinC durante a explicação da
metodologia da Oficina, e a mensagem do ministério foi algo como: “é
importante que as lideranças das dos Terreiros aprendam a apresentar
propostas para o MinC, e para isso tem que entender o funcionamento e
ter intimidade com o sistema disponível na internet”.
Ora, se começarmos
falando da política de segregação (racial, social, cultural e
religiosa), que é o marco de cinco séculos da história brasileira,
e que essa segregação confinou os povos de terreiros nas periferias
econômicas, na invisibilidade socio-cultural e, dentre milhares de
outras coisas, na exclusão digital, como é que de uma hora para
outra e sem nenhuma ação de (p)reparação e capacitação, o
governo, através do ministério da cultura, se acha no direito de
exigir (como critério de seleção) o aprendizado do funcionamento
de um sistema do qual o próprio ministério tem a ciência que se
trata de uma parcela da população brasileira que foi excluída
desse aprendizado? E para utilizar a alegoria cristã para a
transferência de responsabilidade por parte das autoridades, eu
pergunto de novo: o MinC, como Pilatos, lavou as mãos em relação à
exclusão digital dos Povos de Terreiro?
Em outras palavras a
minha avaliação é que essa escolha do MinC pode resultar em outra
segregação ainda pior.... E se a minha hipótese estiver correta, o
que vai acontecer é que próximo ao ministério ficará a minoria de
lideranças e membros de terreiros que tem facilidade de acesso à
serviços públicos ou que podem pagar por serviços privados –
inclusive de acesso à internet, ou de profissionais que façam por
elas os procedimentos necessários -, enquanto a maioria dos
terreiros e do nosso povo vai permanecer no contexto da exclusão
cultural. E saibam que eu desejo muito ter formulado uma hipótese
errada, espero estar equivocado, porém, considerando a possibilidade
d'eu estar certo, é preciso perguntar também para as lideranças de
terreiros (a sociedade civil): nós queremos essa separação?
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Orientações sobre o credenciamento |
Tempo é
rei de Angola!
Não
se iludam
Não
me iludo
Tudo
agora mesmo
Pode
estar por um segundo.
(Tempo
rei, Gilberto Gil)
É preciso registrar o
exemplo positivo de acolhimento que tivemos por parte da equipe de
produção do Maranhão, composta em sua maioria por membros de
terreiros que conheciam a linguagem e as necessidades dos
participantes do evento. Foram raros os casos que algum problema
ficou sem solução.
Foi muito bom reencontrar
(e conhecer outros) parceiros e parceiras de tantas lutas por
conquistas de cidadania e manutenção das tradições, eventos como este deveriam ser mais
freqüentes e precisamos de meios de tornar esses encontros
regulares.
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Visita à Casa das Minas. |
Talvez o mais importante
de todo o evento tenha sido o seu ineditismo... “Pela primeira
vez na história deste país” vimos
um ministério reunir lideranças da diversidade de povos de
terreiros para discutir políticas públicas específicas e
afirmativas, e isso é mais do que um detalhe, isso é um fato
histórico! E proponho a todos que cantem e dancem esta nossa conquista como
cantamos e dançamos as conquistas dos nossos ancestrais divinos.
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Início do cortejo cultural pelo centro histórico de São Luís. |
Porém...
Ensinai-me
Oh
Pai!
O
que eu, ainda não sei
(Tempo
Rei, Gilberto Gil)
Minha preocupação foi
com a metodologia aplicada aos trabalhos do evento, pois o que
realmente eu esperava era uma espécie de 'mesa de negociação' com
o MinC – esperava algo objetivo, como a apresentação de uma
proposta por parte da gestão que nos dissesse: o que nós temos é
isso, e queremos discutir com vocês o 'como' e o 'onde' aplicar este
'isso' que nós temos à oferecer. Mas o que eu vi foi um formato
de conferência em que a sociedade indicava diretrizes genéricas
para os temas pré-estabelecidos.
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Celebração dos participantes durante a divisão de grupos de trabalho. |
Sem garantias de execução do que
foi proposto por nós, essas diretrizes seguiram para subsidiar os
gestores e os técnicos do ministério para a formulação de ações
concretas.
N'Aruanda
só se pisa devagar...
Tempo
Rei!
Oh
Tempo Rei!
Oh
Tempo Rei!
Transformai
As
velhas formas do viver
(Tempo
Rei, Gilberto Gil)
Nós entramos na oficina
com a esperança de durante esses quatro dias podermos elaborar
políticas públicas culturais que atendam as necessidades dos povos
de terreiros para serem aplicadas a partir de 2012, e como a
metodologia não foi um acordo de ações práticas, o resultado é
que nós saímos da oficina com uma outra esperança: a esperança de
que os técnicos e gestores do ministério entendam as falas das
lideranças de terreiros para que finalmente os impostos que nós
pagamos possam retornar em investimentos públicos para as nossas
práticas culturais.
Água
mole
Pedra
dura
Tanto
bate
Que
não restará
Nem
pensamento...
(Tempo
rei, Gilberto Gil)
Mas esse é o jogo político, e nós estamos disputando o campeonato...
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Conclusão dos trabalhos do GT Cultura e comunicação. |
Segue o documento do
Grupo de Trabalho que discutiu 'Cultura e comunicação', que foi o
grupo do qual participei. A formulação da proposta que foi
resultado deste GT reflete a discussão que aconteceu durante as
reuniões do grupo, porém eu sinto a necessidade de registrar que a
falta de um assunto que foi extremamente debatido e pouco
referenciado na proposta: a questão das concessões públicas de
canais de rádio e televisão para grupos que promovem a intolerância
religiosa.
Também quero registrar
que defendi a política de cotas, e que me baseei nos dados do
recente mapeamento de terreiros de Belém, Recife e Belo Horizonte
para chegar a estimativa de que somos 10% da população, e que
portanto considero justo destinar 10% de toda a política pública
cultural brasileria para o protagonismo de povos tradicionais de
terreiros.
Belém/PA, dezembro de
2012.
Táta Kinamboji uá
Nzambi/ Arthur Leandro.
FORMULÁRIO
PARA AS PROPOSTAS DE POLÍTICAS PÚBLICAS
EIXO Comunicação e Cultura
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( ) PRIORITÁRIA
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PROPOSTA
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Qual a proposta?
Criação de
editais que contemplem produção de conteúdo pelos povos de
comunidades tradicionais de terreiro. Destacando que,
concomitantemente a publicação dos editais, é fundamental que o
Minc, em parceria com outros órgãos, possibilite o mapeamento
geral das comunidades de terreiro espalhado por todo o país. A
partir dessa quantificação real, podemos assegurar que esses
editais serão compartilhados e socializados pela diversidade que
forma os povos de comunidades tradicionais de terreiro.
Indicar ao Minc
e à outros órgãos do governo que adotem cotas de 10% em todas
as suas ações e editais, para atender os povos de comunidades
tradicionais de terreiros. Inclusive, assegurar 10% no Fundo
Nacional de Cultura e proporcionalidade nos fundos de âmbito
estadual e municipal.
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JUSTIFICATIVA
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Por que a proposta é
importante?
Foi identificado
a ausência de produções que contemplem os povos de comunidades
tradicionais de terreiro nas mais diversas expressões midiáticas
e culturais. Ou ainda, quando acontece é de forma estereotipada,
reforçando aspectos negativos. Dessa forma, é fundamental que os
povos de comunidades tradicionais de terreiro expressem os seus
saberes e suas ações nos mesmos espaços que comumente são
degradados. Em especial, nas regiões que são identificadas como
de difícil acesso, destaque para o Norte, Centro Oeste e Nordeste
do país, que de acordo com o próprio Minc são os menos
contemplados na fomentação de políticas publicas, portanto é
importante a articulação do Minc junto ao Minicom para entrega
de antenas de GESAC para as comunidades de terreiro,
possibilitando que os conteúdos quando produzidos possam ser
socializados.
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OBJETIVOS
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Quais os impactos e
desdobramentos com a execução da proposta?
Produção
de conteúdos que reafirme a auto - estima dos seus adeptos,
promoção da igualdade, combate as mais diversas formas de
discriminação e reforço positivo da diversidade que permeia a
formação do povo brasileiro.
Fortalecimento
das ações dos mestres de saberes, destacando as lideranças dos
povos de comunidades tradicionais de terreiros, assegurando que
esses saberes possam adentrar os mais diversos espaços de
formação educacional e cultural, em especial as universidades.
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PÚBLICO
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Dentro da comunidade de
terreiro, qual o recorte de público específico ao qual a
proposta se destina?
( x ) Infância e juventude
( x ) Mulheres
( x) Mais velhos
( x ) Outros. Quais? Toda a sociedade precisa e
deve ter conhecimento à respeito da diversidade cultural e
religiosa do nosso país. È assegurado pela constituição os
mesmos direitos para todos os cidadãos brasileiros, sendo assim,
é importante que todos e todas tenham as mesmas condições de
acesso.
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ABRANGÊNCIA
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A execução da proposta
tem alcance municipal, estadual ou nacional?
Nacional, mas queremos que os órgãos competentes nas esferas
estadual e municipal possam também publicar editais com as mesmas
características.
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RESULTADOS
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Quais os resultados
esperados com a proposta?
Protagonismo dos
povos de comunidades tradicionais de terreiro nas produções de
conteúdos culturais. Além disso, uma participação democrática,
na qual todas as manifestações culturais tenham espaço para se
expressarem.
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METAS
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É possível quantificar
os desdobramentos?
Não é possível
quantificar essas propostas. Mas uma ação de abrangência
nacional terá possibilidade de atingir os mais diversos povos que
permeiam as 27 unidades federativas. Os editais devem surgir com
campanhas a favor da autodenominação (afirmação) dos
integrantes das comunidades de terreiro.
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ESTRATÉGIAS DE AÇÃO
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Quais as etapas
necessárias para a realização da proposta?
(Sugira os mecanismos
públicos para fomento da proposta)
Capacitação
das comunidades de povos tradicionais de terreiros para a
participação nos editais e ainda para a própria elaboração
dos conteúdos culturais, educacionais e midiáticos.
Elaboração,
publicação e lançamento de editais direcionados nas linguagens:
Audio visual, artes cênicas, música, artes visuais, fotografia,
doc, mini doc, literatura, cultural popular, humanidades,
produções acadêmicas, artesanato, memória oral, cultura
digital, arte digital, mídias sociais, mídias livres, culinária,
griots, indumentária, moda, estética.
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PARCEIROS
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Quais as parcerias
necessárias para a execução desta proposta?
Ministério da Cultura, Órgãos de âmbito
federal, estadual e municipal relacionados a Cultura, Prefeituras,
universidades, empresas privadas e públicas que tenham
responsabilidade social e que compreendam a importância de
preservar e fomentar a diversidade da formação cultural
brasileira.
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INDICADORES
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Quais os critérios para
acompanhamento e avaliação da proposta?
Os critérios
serão avaliados a partir da quantidade de editais publicados.
Além disso, é fundamental a participação no Colegiado Setorial
de Culturas Afros Brasileiras de integrantes das mais diversas
expressões dos povos de comunidades tradicionais de terreiro.
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COMPETÊNCIA
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A quem compete a execução
da proposta?
( x ) Prefeituras
( x ) Governos Estaduais
( x) Governo Federal
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