(EDNA NUNES )
O
mapa vai dar visibilidade às religiões afrobrasileiras cultuadas em
Belém e Ananindeua e denominadas com várias nações: Angola, Jeje Savalu,
Ketu, Mina Jeje Nagô, Umbanda e Pajelança. O trabalho foi coordenado
pela professora de gradualção da Universidade Rural do Rio de Janeiro,
Camila do Valle, especialista em diversidade étnica. A publicação revela
as características próprias de cada nação, seus locais, formas de
cultos e deuses.
O
mapa aponta, por exemplo, que a nação Umbanda chegou ao Pará por volta
da década de 30, trazida pela "Mãe" Maria Aguiar. A nação foi resultado
do cruzamento de linhas (sincretismo interno) que acabaram formando uma
religião com suas próprias características, agregando-se Pajés e
Caruanas, Encantados e Deuses para resultar em uma Umbanda amazônida.
Durante uma oficina de Cartografia, realizada em junho de 2010, Mãe
Vanda desabafou lembrando que "a Umbanda resiste ao preconceito e
reafirma a sua tradição através desse sincretismo".
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Mãe Vanda e Mãe Kátia organizam as informações da Umbanda
(reunião no palacete Bolonha em 29/04/2010 - foto de Táta Kinamboji/
Projeto Azuelar - Instituto Nangetu/ Ponto de Mídia Livre).. |
Os
povos e comunidades tradicionais de terreiros de várias nações de origem
afro-brasileira que atuam na Região Metropolitana de Belém (RMB) travam
uma luta histórica contra o preconceito. Este ano, eles ganharam um
aliado especial: a "Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém do
Pará - religiões afro-brasileiras e ameríndias da Amazônia: afirmando
identidades na diversidade", que vai ajudar no entendimento e
importância dos cultos. O documento foi construído com o financiamento
do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e
pré-lançada no dia 11 deste mês. A expectativa é que o mapa contribua
para redução da intolerância religiosa.
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A pesquisa promoveu a auto-cartografia
dos povos e comunidades tradicionais, o conhecimento foi produzido
pelos próprios povos e
comunidades tradicionais - Na foto o Pai Armando de Bessen acrescenta
inflrmações da Nação Ketu, com a supervisão de Mãe Nerê e Pai Walmir
(reunião no palacete Bolonha em 29/04/2010 - foto de Táta Kinamboji/
Projeto Azuelar - Instituto Nangetu/ Ponto de Mídia Livre). |
"A
Cartografia Social dos Afrorreligiosos em Belém é o que o governo negou
aos afrorreligiosos, que representam uma parcela da população em cerca
de 10% e, no entanto, não se estima no censo anual feito pelos centros
de pesquisa populacional", afirma um dos executores do mapa, o professor
universitário e fotógrafo Arthur Leandro ou "Tatá Kinamboji", como é
conhecido socialmente entre os religiosos afrobrasileiros.
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Além
da localização dos terreiros no mapa da cidade, depoimentos de
histórias pessoais e memória de lutas fazem parte da cartografia (roda
de conversa com os angoleiros em 29/12/2010 - foto de Táta
Kinamboji/Projeto Azuelar - Instituto Nangetu/Ponto de Mídia Livre). |
Ele conta, por
exemplo, que por não haver educadores nas instituições de ensino, seja
público ou privado, o estigma de que os praticantes das religiões de
origem africana continua sendo visto como adoradores de deuses
satânicos. Na opinião dele, como educador, somente a partir do momento
em que a religião for discutida sem preconceito nas escolas, o fato
poderá mudar culturalmente, garantindo assim, o direito das pessoas se
manifestarem sem medo de ser identificada.
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Comunidade do Terreiro de
Noche Navakoly (Rosa Viveiros, conhecida como Mãe Doca) - Terreiro de
Nagô Cacheu fundado em 18 de março de 1891 na Tv. Humaitá próximo à
Duque de Caxias, o terreiro enfrentou a polícia e todos os tipos de
preconceito em nome do direito ao culto religioso (reprodução de foto de
1917). |
História mostra evolução das práticas
Atitudes
preconceituosas são histórias sem fim para quem segue religiões
afrodescendente. Luiz Augusto Loureiro Cunha (Pai Tayandô Acaoã-Unimaz)
recorda dos períodos difíceis das comunidades tradicionais de terreiro
no Pará: 1908, quando mães e pais de santo eram proibidos de bater
tambor; na década de 30 (1930), lembrada como a maior repressão contra
os praticantes das religiões remanescentes da África; e o período da
ditadura militar (1964 a 1985), quando foram registradas inúmeras
prisões sob alegações diversas.
"No
dia 18 de março de 1908, a mãe de santo Doca foi presa porque batia
tambor para Dom José. Ela chegou a ser levada para a delegacia, ficou na
cela e depois foi liberada. Mesmo assim, ela voltou para o terreiro e
continuou a bater tambor para os seus deuses", conta. Por causa desse
gesto de coragem, o dia 18 de Março é lembrado pelos povos e comunidades
tradicionais como o Dia Municipal e Estadual da Umbanda e dos Cultos
Afros-brasileiros.
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Noche Navakoly (Mãe Doca) é o símbolo da resistência dos Povos de Tereiros de Belém. Mãe
Doca era natural de Codó/MA, filha de santo do africano
Manoel-Teu-Santo, seu Vodum é Nana e Toy Jotin, mas também recebia Seu
Inambé. Ela foi presa várias vezes e ainda assim não desititu da luta
pelo direito à consciencia relgiosa (reprodução de foto de 1917). |
Apesar de toda a
intolerância, Pai Luiz deixa claro que é uma ação que não leva os povos e
comunidades tradicionais de terreiro a cultivar a violência contra os
que seguem religiões diferentes das deles, porém, isso não quer dizer
que não buscarão "armas" para se defenderem e, por este motivo, a
cartografia é um instrumento para fazer com que todos - adolescentes,
adultos e idosos de religiões afrobrasileiras - se baseiam de
informações capazes de fazer valer o seu papel como cidadão brasileiro. O
conselho que ele dá, além da aquisição de conhecimento, é estar em constante diálogo com outras religiões, tanto as cristãs como as não cristãs.
Mãe de santo é discriminada quando vai catar ervas na Ceasa
Dona
Oneide Monteiro Rodrigues, que atende pelo nome social Memetu Nangetu
(que significa mãe da raiz molhada), informa que o preconceito pode
estar associado à desinformação. Além disso, segundo ela, a mídia
fortalece o preconceito existente contra as religiões afro-brasileiras.
"Não querem nos respeitar como povos e comunidades tradicionais de
terreiro e a mídia reforça esta intolerância", lamenta. Ao contrário do
que se pensa, enfatiza a sacerdotisa, como assim é identificada por seus
seguidores, "nós não adoramos o satanás, mas os orixás, que são a
natureza".
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Táta Kasuleka (Mansu Nangetu) em coleta de folhas na mata urbana de um ramal da estrada da CEASA. |
Mametu Nagetu conta
que o preconceito é tão grande, ao ponto de quando ela vai trabaçhar na
coleta de ervas na estrada da Ceasa sofre discriminação. Os maiores
autores são os vigilantes de prédios públicos, pessoas humildes e
carregada de uma carga cultural preconceituosa. "Nunca me expulsaram do
local, mas já disseram que eu estaria sendo convidada a me retirar das
proximidades do prédio, onde coletava as ervas", relata.
Conhecimento é arma para defesa contra perseguição na escola
A
luta para combater o preconceito começa desde cedo e a partir do
conhecimento. Um adolescente, 13 anos, que preferiu o anonimato, é
iniciante (Ogan) da nação Angola, e estudante de uma escola evangélica
em Belém. Ele conta que não chegou, até o momento, a sofrer
discriminação por sua identidade religiosa, porém, lembra que chegou a
presenciar uma amiga sendo discriminada porque trajava roupas e adereços
brancos. "No começo escondia minha religião porque entrei novinho e na
escola dizia que era católico. Mas, agora, aprendi a me defender também.
Para isso, me preparo conhecendo as leis para eu saber como fazer esta
defesa", diz o menino, já demonstrando confiança nas palavras.
Ele conta que durante
uma das aulas, a professora de Ensino Religioso fez uma explanação
sobre todas as religiões, entretanto, quando chegou às religiões
afrobrasileiras, citou superficialmente e ele reagiu com questionamento.
Na opinião dele, o desconhecimento do professor e a carga
preconceituosa levou ele a um comportamento que não corresponde a de um
educador. "Mas, a minha insatisfação me levou a uma outra professora de
Educação Religiosa da minha escola, que contou a sua origem nas
religiões afro-religiosas. Apesar de ser evangélica, ela é esclarecida,
mas porque a mãe dela era mãe de santo. Então, a forma de ensinar dela
não é de uma pessoa leiga, mas de que conhece e respeita as diferentes
religiões", ressalta.
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