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Roda de conversas e reflexões sobre o alimento sagrado. |
Em Belém do Pará, agosto é o mês em
que tradicionalmente os terreiros realizam as celebrações
religiosas para Legba, Exu, Mavambo ou Njila.
Ninguém sabe e ninguém viu quando
começou essa tradição, só se sabe que é assim. E já que é
assim, o Cineclube Nangetu se programou para acompanhar os rituais que os terreiros realizam neste mês, e
para isso o Conselho Editorial do Cineclube decidiu fazer o “Mês
da Boca que Tudo Come”, um mês com sessões de filmes que viessem
a provocar a reflexão sobre a saúde nos terreiros através da
alimentação humana – afinal, o que a divindade come, o homem come
também...
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Ciclovida, a resistência de agricultores familiares em combate ao agronegócio. |
A primeira sessão (3 de agosto)
aconteceu com o premiado documentário “Ciclovida”, de Matt
Feinstein e Loren Feinstein (EEUU, 2010) – É o registro da viagem
de bicicleta do Ceará até Buenos Aires, na Argentina realizada
pelos agricultores Inácio e Ivânia. Eles descrevem a sua filosofia
respeitosa de uma nova relação com a Terra e de outras pessoas como
a base para o seu modo de transporte e da necessidade de reunir
sementes naturais e criar redes para a futura partilha de idéias e
de sementes em contrapartida para a dominação do agronegócio, e
principalmente dos agrocombustíveis no campo que tem como
conseqüência o deslocamento de milhões de pequenos agricultores e
comunidades indígenas. Cultivos e matas nativas estão sendo
substituídos por desertos verdes de monoculturas transgênicas onde
nada mais, planta ou animal, pode sobreviver aos agrotóxicos que são
utilizados.
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"A carne é fraca" e os horrores da cadeia produtiva da carne. |
Na sequencia foi a vez de “A carne é
fraca”, de Denise Gonçalves (17 de agosto) - um documentário
produzido pelo Instituto Nina Rosa sobre os impactos que o ato de
comer carne representa para a saúde humana, para os animais e para o
meio-ambiente .
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Espírito de porco, a industria e o mercado como responsáveis pelos impactos negativos da criação de suinos. |
E a exibição do “Espírito de porco”, de Chico
Faganello e Dauro Veras finalizou a programação (31 de agosto)
trazendo o debate sobre os impactos da criação de suinos em
confinamento para a industria alimentícia.
Mametu Nangetu conduziu o debate do
“Ciclovida”, falou que conhece agricultores familiares,
ribeirinhos e quilombolas que, como Ivânia e Inácio, resistem e
preservam o conhecimento tradicional de produção de alimentos.
Acrescentou falando da necessidade da preservação da diversidade
daquilo que nos alimenta.... Disse, por exemplo, das frutas
amazônicas, e relatou que percebe que a cada dia os ingás, os
murucis, os jambos e os mucajás nativos perdem espaço nas
prateleiras de supermercado para uvas, maçãs e pêssegos - que são
frutas européias que para chegarem em nossas mesas recebem uma
imensa carga de agrotóxicos. Luah Sampaio aproveitou para falar de
sua experiência com hortas suspensas e o plantio de verduras em
casas e apartamentos como opção para o consumo de vegetais
saudáveis.
Quando a luz se acendeu depois do filme
“A carne é fraca”, Müller de Nzazi imediatamente falou: “qua
filme horrível, Táta!” E a partir desse comentário Táta
Kinamboji começou a falar que a intenção não era de promover o
veganismo e o consumo exclusivo de vegetais, disse que em pouco tempo
haveria no terreiro as imolações de animais para Mavambo, e pediu a
todos que lhe dissessem as diferenças entre o que o filme mostrou e
as práticas do terreiro. Foi então que cada um foi refletindo sobre
as diferenças entre a violência e os maus tratos praticados pela
industria de alimentos e o respeito à vida que está na essência do
sacrifício afro-religioso. Vanjulê recordou do que o filme mostrou
do tratamento dispensado aos pintinhos nas granjas e disse que aqui,
quando nasce uma ninhada no quintal, eles são tratados com todo o
carinho, enquanto no filme “os pintinhos eram tratados como 'coisa'
sem importância”. E foi essa idéia da industria tratar os animais
como números, como lucro, ou como “coisas sem importância” que
norteou o debate sobre o “Espírito de porco”...
Ao fim. Os tries filmes provocaram a
sensação de que é necessário encontrar alternativas para a
criação de animais com manejo tradicional, animais que tenham uma
vida natural, que cresçam no tempo que cada espécie tem para
crescer, que se reproduzam da maneira tradicional, com machos e
fêmeas copulando, chocando e criando seus filhos...
Certamente, se os membros da comunidade
conseguirem criar os animais para os rituais do terreiro, o ganho
espiritual será o sagrado alimento saudável...