Sexta-feria, dia 7 de setembro, 19h.
Tv. Pirajá, 1194 - Marco.
32267599
Perto de casa, de Sérgio Borges. |
Relações familiares · Olhares
introspectivos e relações afetivas
Ao escolher a família como seu foco
primário de atenção, os sete curtas-metragens que compõem este
programa voltam seu olhar para aspectos distintos deste que é o
núcleo fundador da nossa sociedade. A família, com sua capacidade
de resumir os principais conflitos e realizações do ser humano,
serve de espelho para todos nós. Não por acaso, assistindo a estes
filmes, que ganharam prêmios e participaram de diversos festivais
nacionais e internacionais, podemos ver projetadas ali nossas
próprias relações com pais, avós, irmãos, tios, filhos, maridos
e esposas. Realizados entre 1988 e 2009, eles nos permitem ainda
traçar um painel tanto dos modelos de organização e relações
afetivas e familiares ao longo deste período, como também ver
variações de modelos narrativos e de produção pelos quais o
cinema passou nos últimos anos.
Filmes
- Café com leite, de Daniel Ribeiro, , 2007
- Depois das nove, de Allan Ribeiro, , 2008
- História familiar, de Tata Amaral, , 1988
- Laurita, de Roney Freitas, , 2009
- O bolo, de José Roberto Torero, , 1995
- Perto de casa, de Sérgio Borges, , 2009
- Tempo de ira, de Gisella de Mello, , 2003
Família: todo mundo tem uma, cada um
tem a sua
Eduardo Valente*
Presentes na vida de quase todas as
pessoas, é apenas natural que as relações familiares sejam tema
recorrente no cinema. No universo do curta-metragem, essa presença é
ainda mais notável, pois a curta duração e os orçamentos mais
baixos pedem uma capacidade de se dizer mais com menos, resultando
muitas vezes em histórias que se resolvam num microcosmo que o
espectador reconheça com facilidade – como o dos laços
familiares. Por sorte, as famílias são infinitas em suas
organizações, e inúmeras são as possibilidades narrativas a
explorar dentro delas.
Tomemos Laurita, por exemplo, onde
sobressai a centralidade da figura feminina no seio da família,
sobrando para os homens um papel secundário. Enquanto a
personagem-título faz a dura passagem de menina para mulher, o filme
explora uma variedade de complexos laços entre as mulheres: mães e
filhas, tias e sobrinhas, primas. Impressiona como o diretor consegue
ao mesmo tempo dar personalidade a um número grande de personagens e
solucionar sua trama na duração curta.
É o contrário do que acontece em
História familiar e O bolo, que centralizam suas narrativas em um
casal e um cômodo. No primeiro, a sala da casa serve de espaço para
um balé de encontros e desencontros dos desejos conflitantes de um
casal que, mesmo jovem, já tem uma estrutura estabelecida (a voz da
filha em off mostra isso). Não é difícil imaginar aqueles
personagens indo dar, décadas depois, no casal de O bolo.
Aqui, ao contrário da concisão
temporal do primeiro (uma mesma noite), acompanhamos em elipse cenas
de uma rotina na qual a agressão mútua parece a única forma de
comunicação no espaço de uma cozinha.
São dois lados de um mesmo espelho: o
carinho que não esconde o enfado; a agressividade que não mascara o
amor profundo.
Depois das nove, de Alan Ribeiro. |
A cozinha também surge em Depois das
nove como espaço do convívio familiar. Nesse caso, porém, trata-se
de um gentil conflito de gerações entre avó e neto, portanto essa
partilha de um mesmo espaço não significa de fato que haja uma
troca. Cada um tem os seus objetos, dos seus próprios tempos (um
rádio de pilha aqui, um computador ali), e apenas um trauma poderá
fazer com que eles se olhem de frente. Ao final, o filme parece sair
da casa para respirar os ares do mundo. Também é da necessidade de
se escapar da casa e ir ao mundo que fala
Tempo de ira. Só que aqui, em meio à
opressiva paisagem aberta do sertão, a questão não é de
arejamento, mas de fuga mesmo – ainda que uma fuga consentida, num
gesto de sacrifício materno extremo.
Sacrifícios também precisam ser
feitos em Café com leite, onde uma perda obriga os personagens a
assumir papéis diferentes dos que tinham na família. De fato, nesse
filme de 2007 vemos uma nova família que se forma, seja na
reescritura dos laços entre irmãos, seja nos laços de
sensibilidades e sexualidades – e, curiosamente, são as mulheres
que se encontram ausentes.
Café com leite, de Daniel Ribeiro. |
Também só há homens em cena em Perto
de casa: na frente da câmera, onde dois irmãos estabelecem toda uma
dinâmica entre o mais velho e o caçula; e atrás dela, de onde a
voz do pai tenta impor limites e, ao mesmo tempo, partilhar do
momento lúdico de diversão. Aqui a nova estrutura que se impõe não
é tanto da família, mas da produção: com a disseminação da
tecnologia digital, imagens são captadas “ao natural”, sem o
compromisso de estar “fazendo um filme”. É um trabalho que dá,
dentro deste programa, todo um outro sentido para a expressão “filme
de família”.
* Cineasta, crítico e editor da
revista eletrônica Cinética
(www.revistacinetica.com.br)
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