Venha participar e partilhar do debate sobre a agricultura urbana com o Prof. Alexandre José F. Vieira, da UFF.
A agricultura urbana é uma pratica social que confronta o atual modelo de desenvolvimento das cidades. Ao propor mudanças estruturais no uso dos espaços urbanos para a produção de alimentos e plantas medicinais e a criação de animais, resgata a cultura rural, promovendo maior conexão campo-cidade.
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Agricultura Urbana e Direito à Cidade: Cultivando Saúde e Comida de Verdade
Carta Política do Encontro Nacional de Agricultura Urbana -
ENAU
21 a 24 de outubro - Rio de Janeiro, RJ
“Agroecologia e Direito à Cidade: Cultivando Saúde e Comida
de Verdade” foi o tema do I Encontro Nacional de Agricultura Urbana, realizado
na UERJ no Rio de Janeiro, entre os dias 21 e 24 de outubro de 2015. O Encontro
reuniu mais de 250 pessoas de 20 estados do Brasil, das suas cinco regiões,
sendo mais de 50% mulheres, com grande participação de jovens e
agricultoras/es. Estiveram presentes representantes de movimentos populares
urbanos e rurais, movimentos em defesa da cultura alimentar, agricultoras/es
familiares, camponesas/es, chacareiras/os, povos de terreiro e de matriz
africana, indígenas e outros povos e comunidades tradicionais, ativistas
urbanas/os, estudantes, pesquisadoras/es, professoras/es, gestoras/es
públicas/os e parlamentares.
A diversidade de experiências de agricultura urbana vista
no ENAU demonstra um conjunto de iniciativas que estão reunidas e articuladas
em redes, coletivos locais, fóruns estaduais e regionais e se identificam com
os princípios do Coletivo Nacional de Agricultura Urbana que, junto com a
Articulação Nacional de Agroecologia e o Fórum Brasileiro de Soberania e
Segurança Alimentar e Nutricional, organizaram este encontro.
Essa diversidade pôde ser vista nas instalações
pedagógicas, apresentadas no primeiro dia do Encontro: as práticas
autogestionárias de tratamento dos resíduos sólidos orgânicos de Santa Catarina;
a reivindicação pelo acesso e uso de espaços públicos para a agricultura urbana
em Brasília; o conhecimento tradicional e a cultura alimentar e de plantas
sagradas em cidades da Amazônia; as conexões entre o urbano e o rural nas
experiências de agricultura urbana do Nordeste; as ações articuladas com
movimentos da reforma urbana na Região Metropolitana de Belo Horizonte; a
importância da agricultura familiar para garantir a manutenção e ampliação de
áreas florestais e arborizadas, ao mesmo tempo que os conflitos como as
Unidades de Conservação no Rio de Janeiro e outras cidades; o patrimônio
genético, a cultura alimentar e a agrobiodiversidade mantida e resguardada nas
práticas de agricultura urbana no país.
A construção do Coletivo Nacional de Agricultura Urbana se
articula aos fóruns e redes de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional e
de Agroecologia. Foi através dos diálogos com estes movimentos que a
agricultura urbana foi fortalecendo sua identidade como prática que gera
alimentos saudáveis, isentos de agrotóxicos, livres de transgênicos; que
valoriza culturas locais, que pensa o aproveitamento dos recursos e o
reaproveitamento dos resíduos e que abastece mercados locais e de proximidade
como escolas e feiras e equipamentos de distribuição de alimentos para pessoas
em situação de insegurança alimentar. A agricultura urbana é um campo de
convergências entre diversos movimentos e lutas por uma cidade justa,
sustentável e construída cotidianamente pelas pessoas, buscando mitigar as
dicotomias entre o rural e urbano e garantir a apropriação da cidade pela
população. O movimento pela agricultura urbana demarca centralidade da luta
pela terra e pelas reformas urbana e agrária.
Nessa trajetória de relações no âmbito da segurança
alimentar e nutricional e da agroecologia, ficou evidente a importância, ainda
que invisível para grande parte da sociedade, do papel das mulheres e das/os
jovens como protagonistas de grande parte das experiências presentes neste Encontro.
São as mulheres que, devido à lógica patriarcal de divisão sexual do trabalho,
se tornam responsáveis pelo cuidado de pessoas de sua família, pela garantia
dos alimentos, da saúde, da agua dentre outros. A prática da agricultura urbana
é marcada pela afirmação de saberes históricos das mulheres. Na luta por uma
cidade de direitos e pela soberania na produção de alimentos e na promoção da
saúde integral, as mulheres reivindicam a socialização do trabalho do cuidado e
da reprodução da vida com toda a sociedade e com o Estado e constróem sua
autonomia e o fortalecimento em grupos e coletivos.
Nesse caminhar histórico do movimento da agricultura
urbana, foi ampliada a necessidade de afirmar e defender as práticas que
envolvem as diferentes dimensões da produção, distribuição, comercialização e
consumo de alimentos nos espaços das cidades e das regiões metropolitanas.
Quando olhamos como se dão as diversas experiências que se
encontraram no ENAU, nos territórios onde elas florescem e se desenvolvem, evidencia-se
uma série de ameaças e conflitos vivenciados cotidianamente nas cidades.
Essas ameaças e conflitos têm suas raízes, principalmente,
no projeto de mercantilização dos espaços urbanos que se dá em detrimento dos
modos de vida locais e das formas de uso e ocupação protagonizados pelas/os
protagonistas de lutas e mobilizações que convergem com a agricultura urbana.
Nesse sentido, repudiamos o processo de mercantilização da natureza e das
relações sociais nas cidades, que impacta diretamente a qualidade de vida, a
relação com o território e o acesso ao alimento de qualidade. Não aceitamos o
pacote tecnológico oferecido pelo agronegócio, totalmente inadequado para o
ambiente urbano. Combatemos a especulação imobiliária e a política de remoções
que promovem a exclusão social, e que dificultam e impedem o acesso aos
recursos naturais pelas populações nas cidades.
No espírito de convergências que marcou este encontro e que
caracteriza as experiências de agricultura urbana, reivindicamos que os princípios
da função social da propriedade e do direito humano à alimentação adequada, que
constam da Constituição Brasileira, sejam cumpridos.
Nossas experiências apresentam um conjunto de propostas
para dialogar sobre os modelos de cidade e os modelos de agricultura e
alimentação que queremos para a construção de uma sociedade mais justa e atenta
às transformações que estão acontecendo em nossos territórios.
Propõe-se:
•
Reconhecimento das/os sujeitos da agricultura
urbana, com ênfase no protagonismo das mulheres e dos jovens, em especial de
mulheres negras, indígenas e provenientes de comunidades tradicionais, na
conservação, proteção e promoção das culturas alimentares fortemente enraizadas
nos territórios.
•
Reconhecimento do alimento e do ato de cozinhar
como patrimônios da humanidade em suas diversas dimensões culturais, sociais,
ambientais e espirituais.
•
Reconhecimento da trajetória já realizada pelo
Coletivo Nacional de Agricultura Urbana na discussão e proposição de uma
Política Nacional de Agricultura Urbana que seja intersetorial e que abarque a
totalidade das experiências nos territórios.
•
Reconhecimento dos saberes tradicionais sobre o
uso e manejo da agrobiodiversidade e da cultura alimentar tradicional / local
como salvaguardas para a sociobiodiversidade e proteção do património genético.
•
Fortalecimento de pautas já apontadas em cartas
de outros encontros e de lutas de movimentos afins, como a permanência do
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sem cortes e em todas suas
modalidades, a revisão e adequação das normas sanitárias para a agricultura
familiar, a rotulagem de produtos transgênicos, entre outras, apresentadas
pelos fóruns de agroecologia e SAN.
•
Garantia do acesso à terra para as iniciativas
de agricultura urbana, promovendo segurança jurídica e regulamentação
fundiária, impedindo a especulação imobiliária em áreas produtoras de
alimentos.
•
Garantia de assistência técnica agroecológica e
multidisciplinar que respeite os saberes das/os agricultoras/es em suas
práticas locais.
•
Fomento e facilitação de acesso às sementes
crioulas para agricultoras/es urbanas/os.
•
Garantia do uso contínuo dos espaços públicos
urbanos para plantio de ervas medicinais e sagradas de povos indígenas e
comunidades tradicionais, especialmente aqueles que dependem de seus cultivos
para realização de ritos e relações de ancestralidade e pertencimento, como os
povos de matriz africana e povos indígenas.
•
Garantia da execução do Decreto 6040 (Política
Nacional de Sustentabilidade de Povos e Comunidades Tradicionais) e do 169
OIT.
•
Revisão da publicação “Alimentos Regionais
Brasileiros” que traz informações equivocadas sobre os hábitos alimentares
nortistas.
•
Viabilização da emissão da Declaração de Aptidão
ao PRONAF (DAP) para agricultoras/es familiares em territórios urbanos e
periurbanos onde há impedimentos ao acesso a este instrumento por diversos
motivos;
•
Fomento à logística e comercialização de
produtos oriundos da agricultura urbana, principalmente por meio de incentivos
a feiras agroecológicas.
•
Integração entre as experiências de campo e as
universidades, fortalecendo o ensino, a pesquisa e a extensão universitárias,
com especial atenção aos Núcleos de Estudo e Pesquisa em Agroecologia (NEAs) e
a interação com mestres da cultura alimentar e agricultura tradicional.
•
Valorização e promoção de práticas de educação
alimentar nas escolas, relacionando-as às práticas agroecológicas de produção e
à garantia do direito à alimentação adequada e à segurança e soberania
alimentar e nutricional.
•
Divulgação de experiências exitosas em
agricultura urbana que dêem visibilidade aos processos de resistência da
agricultura urbana e à riqueza do que é produzido dentro das cidades.
•
Ampliação do debate acerca das regiões
periurbanas, buscando definir estratégias específicas e integradoras para as
zonas de transição entre urbano e rural.
•
Promoção de um amplo mapeamento de agricultura
urbana que possibilite a definição de perfil das/os agricultoras/es e das
experiências em curso em todo país.
Construção de políticas
públicas no âmbito federal
Existe um histórico antigo de elaboração de politicas
públicas para a agricultura urbana no âmbito federal, que é marcado pelos
processos de construção das Conferencias Nacionais de SAN (2004, 2007 e 2011).
Em 2007, foi realizada a pesquisa nacional de agricultura
urbana e periurbana que deu origem ao documento “Panorama da Agricultura Urbana
e Periurbana no Brasil e Diretrizes Politicas para a sua Promoção”; com base
nesse documento foi elaborado um programa de agricultura urbana de
responsabilidade do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS) o qual lançou os
Centros de Apoio a Agricultura Urbana e Periurbana – CAUPs e editais de
fomento.
Em 2012/2013 o MDS interrompeu o processo de construção da
política e o fomento de ações nos territórios. Em resposta, as organizações que
viriam dar origem ao Coletivo Nacional de Agricultura Urbana encaminharam uma
carta a Ministra Teresa Campelo cobrando posicionamento do MDS. O Conselho
Nacional de Segurança Alimentar - CONSEA nacional acolhe a luta e passa a
incorporar a pressão pela construção da politica pública.
Ao final de 2014 é apresentado o documento “Subsídios para
uma Política Nacional de uma Agricultura Urbana e Periurbana” na última
plenária do CONSEA, quando é constituído um comitê temático na Câmara
Interministerial de Segurança Alimentar e Nutricional – CAISAN, que passa a ser
o responsável a dar os encaminhamentos para a construção da politica.
Por outro lado, a Agricultura Urbana aparece na construção
do 1º Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO 2013-2015),
ainda que não receba dotação orçamentaria e nem tenha nenhum ministério
responsável pela execução de ações. Novamente, a sociedade civil organizada na
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) propõe ao governo a inserção do
tema, com ações definidas, na construção do 2o PLANAPO, em
elaboração.
Considerando os acúmulos na construção de politicas para
agricultura urbana, reforçamos as diretrizes já apresentadas no documento “Subsídios para uma Política Nacional de
Agricultura Urbana Periurbana (PNAUP)”, apresentado pelo CONSEA Nacional,
elaborado com a participação do CNAU:
“As ações de apoio à AUP deverão ser desenvolvidas e
implementadas de forma integrada entre si, e com as ações de SAN, de habitação,
de urbanismo, de agroecologia, de assistência social, de saúde, de educação, de
gestão de resíduos sólidos, de geração de emprego e renda, de formação
profissional e de proteção ambiental, organizadas em redes, de forma a promover
o diálogo entre os diversos setores governamentais e da sociedade civil. Essas
ações deverão ainda seguir as seguintes diretrizes:
A. Reconhecimento
da multifuncionalidade social, cultural, econômica e política da agricultura
urbana e periurbana como base para o desenvolvimento e promoção de ações
intersetoriais, geridas de forma descentralizada e participativa.
B. Fortalecimento
da cadeia produtiva e promoção de ações específicas de fomento à produção,
comercialização e consumo;
C. Promoção
de acesso falicitado a linhas especiais de financiamento para atividades e
projetos relacionados à AUP;
D. Fortalecimento
da institucionalidade da AUP por meio da elaboração de marcos legais e
institucionais coerentes e apropriados ao setor em todas as esferas de governo;
E. Fortalecimento
da consciência cidadã em torno dos benefícios gerados pela AUP em termos
sociais, políticos, econômicos, sanitários e ambientais;
F. Promoção
de processos de construção do conhecimento e desenvolvimento de capacidades técnicas
e de gestão do/as agricultores/as urbanos e periurbanos, com ênfase em
tecnologias sociais, incluindo o apoio a pesquisas que validem o conhecimento
gerado e acumulado pelas organizações da sociedade civil que desenvolvem ou
apoiam a AUP;
G. Promoção
da participação e do controle social como fundamento das atividades e projetos
públicos de promoção da AUP.”
Considerando este contexto de não conclusão da elaboração
da Política Nacional de Agricultura Urbana, o Coletivo Nacional de Agricultura
Urbana reivindica um espaço institucional de diálogo entre governo e sociedade
civil para a construção e acompanhamento da execução da referida politica
pública.
Aguardamos o posicionamento e o retorno do governo à nossa
reivindicação para o diálogo e o acompanhamento da construção dessa política.
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