terça-feira, 5 de abril de 2016

Manifesto público e reivindicações de Povos e Comunidades Tradicionais de Belém face ao projeto de Reforma do Ver-O-Peso

Manifesto público e reivindicações de Povos e Comunidades Tradicionais  de Belém  face ao projeto de Reforma do Ver-O-Peso


Autoridades e lideranças de povos tradicionais de matriz africana, defendem o direito ao Ver-o-Peso.




     No 12 de janeiro de 2016,  no  ato comemorativo dos 400 anos da cidade Belém,  foi anunciada pelo Prefeito Zenaldo Coutinho e o governador do Pará, Simão Jatene a reforma e revitalização do complexo do Ver-o-Peso. Nesse Autoridades dos povos tradicionais de matriz africana tentaram apresentar ao Prefeito uma série de propostas de políticas públicas de combate ao racismo religioso elaboradas pelo movimento “Atitude Afro”. Esse propósito foi impedido quando nossa manifestação foi recebida com um corredor polonês de evangélicos e o lançamento de spray de pimenta sobre os manifestantes os povos tradicionais de matriz africana.  Posteriormente,  a Associação dos Filhos de Amigos do Ilê Iya Omi Ase o Fa Kare (AFAIA), o Centro de Estudo e Defesa do Negro no Pará (CEDENPA), o Instituto Nangetu e  a Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), protocolaram no Ministério Público do Estado do Pará (MPE), uma representação contra a Prefeitura de Belém, em função das atitudes De racismo religioso, amparado pelo estado que configura o genocídio de um povo. Violência contra um grupo étnico com aparato do estado ou mesmo racismo institucional, ocorridas naquele data. 

         Da mesma forma  que naquele evento  chamamos  atenção para a necessidade de Políticas Públicas contra o racismo religioso, também temos o propósito de  nós manifestar sobre o projeto de reforma e revitalização do Ver-O-Peso, que concerne diretamente aos povos e comunidades tradicionais de Belém, entre eles povos de matriz africana, quilombolas, benzedeiras, comerciantes de ervas e animais.  No entanto,  apontamos dificuldades de conversar com a gestão municipal sobre esse projeto e procuramos por todos os meios de dialogar com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artistico Nacional - IPHAN. 

         Nossos argumentos neste Manifesto  apoiam-se nos  marcos legais que nos garantem escuta diferenciada quando em intervenções em espaços que se reproduzem as nossas tradições. Somos Povos Tradicionais,  regidos pela Convenção 169  da Organização Internacional do Trabalho, o Decreto  6040  de  2007 e os artigos 215 e 216  da Constituição Federal  de 1988. 
O artigo 215 consagra o princípio da diversidade cultural, ao garantir o pleno exercício de direitos culturais e o apoio e difusão das manifestações culturais populares, indígenas e afro-brasileiras, impondo ao Estado brasileiro a observância desses direitos,  assim deve promover a valorização da diversidade étnica e regional,  a democratização de acesso aos bens culurais, à defesa e valorização do patrimônio cultural,  que constituem ações fundamentais para o desenvolvimento cultural do país.   O artigo 216,  seção II – Da Cultura, estabelece o patrimônio cultural brasileiro composto por bens de natureza material e imaterial, individuais e coletivos, protadores de referencia à identidade, à ação e à memória dos distintos grupos que formam a sociedade brasileira, estando representadas em 5 categorias, a saber: I – as formas de expressão; II – os modos de criar,  fazer e viver; III – as criações científicas, artisticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artistico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagistico, artistico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
         O Decreto 6040 de 7 de fevereiro de 2007  define no artigo 3º   I - Povos e Comunidades Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição;

         A Convenção  169  da OIT estabelece no artigo 4º:  1. “Deverão ser adotadas as medidas especiais necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, o trabalho, a cultura e o meio ambiente desses povos.  2.  Essas medidas especiais não deverão ser contrarias aos desejos livremente expressos por esses povos.  3. De maneira alguma deverá ser prejudicado por essas medidas especiais o gozo, sem discriminação, dos direitos gerais da cidadania”.
         A Convenção  169  da OIT destaca a consulta e a participação dos povos interessados e o direito desses povos de definir suas próprias prioridades de desenvolvimento na medida em que afetem suas vidas, crenças, instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam.  Conforme o artigo 6º os governos deverão: A) consultar esses povos, mediante procedimentos apropriados, principalmente por meio de suas instituições representativas,  toda vez que se considerem medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente.  B)  estabelecer os meios pelos quais esses povos possam participar livremente, pelo menos na mesma proporção que os demais segmentos da população  e  em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições eletivas e órgãos administrativos e de outra natureza, responsáveis  por políticas e programas que lhes digam respeito.  C) criar os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e inciativas desses povos e, nos devidos casos, proporcionar os necessários recursos para este fim.  D) as consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser fietas de boa fé e de acordo com as circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo ou obter o consentimento sobre as medidas propostas”

         Nós, autoridades tradicionais de matriz africanas buscamos o dialogo que permita o reconhecimento e respeito de direitos étnicos e culturais. Nesse interregno de dois meses,  provocamos duas reuniões  com os técnicos do IPHAN.  Essas reuniões ocorreram: em 27 de fevereiro quando fomos ao auditorio do IPHAN com objetivo de conhecer o projeto arquitetonico. Em 1º  de março, quando participamos de uma conversa no próprio Ver-o-Peso com técnica do IPHAN e nós povos Tradicionais de matriz africana mostrando in loco os lugares para a preservação da nossa tradição e de comércio de ervas, animais e outros produtos necessários para a manutenção das tradições de matriz africana no Pará.  Nesse dialogo temos solicitado para que o Iphan intermedeie o diálogo com a Prefeitura de Belém, sobre a revitalização da feira, sem a eliminação da venda de animais vivos, ou bicho em pé, e de locais necessários para a preservação das tradições de matriz africana na pedra do Peixe do Ver-o-Peso, na orla da feira e na escadinha do Cais do Porto.  

         Na visita que fizemos na feira, nos foi informado que o IPHAN e o Ministério Público Estadual  MPE iriam colocar o projeto em consulta pública na internet e que nós poderíamos intervir na proposta pela internet.  Na oportunidades, nós fizemos uma contra proposta de reunião presencial com povos tradicionais de territórios tradicionais negros. Para isso argumentamos que a preservação desse comércio influencia na economia de dois polos de territórios tradicionais negros, os quilombos - que produzem os alimentos vegetais e animais; e os terreiros, que consomem esses produtos e com eles reproduzem as tradições alimentares de origem africana.
         No dia 16 de março ocorreu a reunião no prédio do Ministério de Educação e Cultura (MINc) em Belém,  convocado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no qual participaram 26 representantes de organizações governamentais e da sociedade civil para debater a permanência do setor de venda de animais vivos no Complexo do Ver-o-Peso.  Os comerciantes de animais vivos inseridos no debate reclamaram de sua atividade não ter sido considerada no plano de reforma da Prefeitura Municipal de Belém (PMB)  enfatizando o caráter tradicional e o fato de ter sido considerados durante a elaboração da primeira etapa do projeto de reforma. A compra e abate de animais vivos é parte fundamental da existência e reprodução das práticas tradicionais de matriz africana.
         No dia 31 de março próximo encerra o prazo do que está sendo apresentado como  “consulta pública”  sobre a proposta de intervenção (projeto básico) para a Feira do Ver-o-Peso, integrante do Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico tombado pelo Iphan em 2012 (Portaria MinC nº (Lei nº 12.527/2011), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).   Ante os fatos  exposto e a iminencia dessa data, nós povos e comunidades tradicionais de Belém reivindicamos:

         1. Que o Projeto Básico seja revisto inserindo o espaço para comercialização de animais vivos, ervas e plantas.  Essa  revisão deve estar contemplada nos projetos para a Feira do Açaí, Solar da Beira e Pedra do Peixe  em atenção a se tratar de práticas  de povos tradicionais.
            2.  Que  seja obedecido pelo IPHAN e Prefeitura de Belém o que estabelece a Convenção 169 da OIT  no seu artigo 6º  acima transcrito  no relativo à consulta aos povos tradicionais. Esse procedimento deve corresponder a uma consulta livre, previa e informada. O que difere  da consulta publica por intenet  e ainda a anunciada pelo IPHAN de realização de uma Audiência Pública para apresentação do projeto.
            3.  Que consoante a essas reivindicação anterior seja  revisto o prazo para esta etapa e a imediata definida pelo IPHAN.
            4. Que o Ministério Público Federal – MPF focalize e insista junto ao IPHAN no tocante aos dispositivos juridicos que dizem respeitos aos povos e comunidades tradicionais do Pará. Até o presente nos parece não terem sido reconhecidos no Projeto básico.  Ainda que essa instancia reitere o caráter das consultas públicas aos povos tradicionais.

           

Nenhum comentário: