Manifesto público e reivindicações de Povos e Comunidades
Tradicionais de Belém face ao projeto de Reforma do Ver-O-Peso
Autoridades e lideranças de povos tradicionais de matriz africana, defendem o direito ao Ver-o-Peso. |
No 12 de janeiro
de 2016, no ato comemorativo dos 400 anos da cidade
Belém, foi anunciada pelo Prefeito
Zenaldo Coutinho e o governador do Pará, Simão Jatene a reforma e revitalização
do complexo do Ver-o-Peso. Nesse Autoridades dos povos tradicionais de matriz
africana tentaram apresentar ao Prefeito uma série de propostas de políticas
públicas de combate ao racismo religioso elaboradas pelo movimento “Atitude
Afro”. Esse propósito foi impedido quando nossa manifestação foi recebida com
um corredor polonês de evangélicos e o lançamento de spray de pimenta sobre os
manifestantes os povos tradicionais de matriz africana. Posteriormente, a Associação dos Filhos de Amigos do Ilê Iya
Omi Ase o Fa Kare (AFAIA), o Centro de Estudo e Defesa do Negro no Pará
(CEDENPA), o Instituto Nangetu e a
Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), protocolaram no
Ministério Público do Estado do Pará (MPE), uma representação contra a
Prefeitura de Belém, em função das atitudes De racismo religioso, amparado pelo
estado que configura o genocídio de um povo. Violência contra um grupo étnico
com aparato do estado ou mesmo racismo institucional, ocorridas naquele
data.
Da mesma
forma que naquele evento chamamos
atenção para a necessidade de Políticas Públicas contra o racismo
religioso, também temos o propósito de
nós manifestar sobre o projeto de reforma e revitalização do Ver-O-Peso,
que concerne diretamente aos povos e comunidades tradicionais de Belém, entre
eles povos de matriz africana, quilombolas, benzedeiras, comerciantes de ervas
e animais. No entanto, apontamos dificuldades de conversar com a
gestão municipal sobre esse projeto e procuramos por todos os meios de dialogar
com o Instituto de Patrimônio Histórico e Artistico Nacional - IPHAN.
Nossos
argumentos neste Manifesto apoiam-se
nos marcos legais que nos garantem
escuta diferenciada quando em intervenções em espaços que se reproduzem as
nossas tradições. Somos Povos Tradicionais,
regidos pela Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho, o Decreto 6040
de 2007 e os artigos 215 e
216 da Constituição Federal de 1988.
O artigo 215 consagra o princípio da diversidade cultural,
ao garantir o pleno exercício de direitos culturais e o apoio e difusão das manifestações
culturais populares, indígenas e afro-brasileiras, impondo ao Estado brasileiro
a observância desses direitos, assim
deve promover a valorização da diversidade étnica e regional, a democratização de acesso aos bens culurais,
à defesa e valorização do patrimônio cultural,
que constituem ações fundamentais para o desenvolvimento cultural do
país. O artigo 216, seção II – Da Cultura, estabelece o
patrimônio cultural brasileiro composto por bens de natureza material e
imaterial, individuais e coletivos, protadores de referencia à identidade, à
ação e à memória dos distintos grupos que formam a sociedade brasileira,
estando representadas em 5 categorias, a saber: I – as formas de expressão; II
– os modos de criar, fazer e viver; III
– as criações científicas, artisticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos,
documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações
artistico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico,
paisagistico, artistico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
O Decreto
6040 de 7 de fevereiro de 2007 define no
artigo 3º I - Povos e Comunidades
Tradicionais: grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais,
que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural,
social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e
práticas gerados e transmitidos pela tradição;
A
Convenção 169 da OIT estabelece no artigo 4º: 1. “Deverão ser adotadas as medidas especiais
necessárias para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, o trabalho,
a cultura e o meio ambiente desses povos.
2. Essas medidas especiais não
deverão ser contrarias aos desejos livremente expressos por esses povos. 3. De maneira alguma deverá ser prejudicado
por essas medidas especiais o gozo, sem discriminação, dos direitos gerais da
cidadania”.
A
Convenção 169 da OIT destaca a consulta e a participação
dos povos interessados e o direito desses povos de definir suas próprias
prioridades de desenvolvimento na medida em que afetem suas vidas, crenças,
instituições, valores espirituais e a própria terra que ocupam ou utilizam. Conforme o artigo 6º os governos deverão: A)
consultar esses povos, mediante procedimentos apropriados, principalmente por
meio de suas instituições representativas,
toda vez que se considerem medidas legislativas ou administrativas
suscetíveis de afetá-los diretamente.
B) estabelecer os meios pelos
quais esses povos possam participar livremente, pelo menos na mesma proporção
que os demais segmentos da população
e em todos os níveis, na adoção
de decisões em instituições eletivas e órgãos administrativos e de outra
natureza, responsáveis por políticas e
programas que lhes digam respeito. C)
criar os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e inciativas
desses povos e, nos devidos casos, proporcionar os necessários recursos para
este fim. D) as consultas realizadas na aplicação
desta Convenção deverão ser fietas de boa fé e de acordo com as circunstâncias,
com o objetivo de se chegar a um acordo ou obter o consentimento sobre as
medidas propostas”
Nós,
autoridades tradicionais de matriz africanas buscamos o dialogo que permita o
reconhecimento e respeito de direitos étnicos e culturais. Nesse interregno de
dois meses, provocamos duas
reuniões com os técnicos do IPHAN. Essas reuniões ocorreram: em 27 de fevereiro
quando fomos ao auditorio do IPHAN com objetivo de conhecer o projeto
arquitetonico. Em 1º de março, quando
participamos de uma conversa no próprio Ver-o-Peso com técnica do IPHAN e nós
povos Tradicionais de matriz africana mostrando in loco os lugares para a preservação
da nossa tradição e de comércio de ervas, animais e outros produtos necessários
para a manutenção das tradições de matriz africana no Pará. Nesse dialogo temos solicitado para que o
Iphan intermedeie o diálogo com a Prefeitura de Belém, sobre a revitalização da
feira, sem a eliminação da venda de animais vivos, ou bicho em pé, e de locais
necessários para a preservação das tradições de matriz africana na pedra do
Peixe do Ver-o-Peso, na orla da feira e na escadinha do Cais do Porto.
Na visita que
fizemos na feira, nos foi informado que o IPHAN e o Ministério Público
Estadual MPE iriam colocar o projeto em
consulta pública na internet e que nós poderíamos intervir na proposta pela
internet. Na oportunidades, nós fizemos
uma contra proposta de reunião presencial com povos tradicionais de territórios
tradicionais negros. Para isso argumentamos que a preservação desse comércio
influencia na economia de dois polos de territórios tradicionais negros, os
quilombos - que produzem os alimentos vegetais e animais; e os terreiros, que
consomem esses produtos e com eles reproduzem as tradições alimentares de
origem africana.
No dia 16 de
março ocorreu a reunião no prédio do Ministério de Educação e Cultura (MINc) em
Belém, convocado pelo Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no qual participaram 26
representantes de organizações governamentais e da sociedade civil para debater
a permanência do setor de venda de animais vivos no Complexo do
Ver-o-Peso. Os comerciantes de animais
vivos inseridos no debate reclamaram de sua atividade não ter sido considerada
no plano de reforma da Prefeitura Municipal de Belém (PMB) enfatizando o caráter tradicional e o fato de
ter sido considerados durante a elaboração da primeira etapa do projeto de
reforma. A compra e abate de animais vivos é parte fundamental da existência e
reprodução das práticas tradicionais de matriz africana.
No dia 31 de
março próximo encerra o prazo do que está sendo apresentado como “consulta pública” sobre a proposta de intervenção (projeto
básico) para a Feira do Ver-o-Peso, integrante do Conjunto Arquitetônico,
Urbanístico e Paisagístico tombado pelo Iphan em 2012 (Portaria MinC nº (Lei nº
12.527/2011), o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Ante os fatos exposto e a iminencia dessa data, nós povos e
comunidades tradicionais de Belém reivindicamos:
1. Que o
Projeto Básico seja revisto inserindo o espaço para comercialização de animais
vivos, ervas e plantas. Essa revisão deve estar contemplada nos projetos
para a Feira do Açaí, Solar da Beira e Pedra do Peixe em atenção a se tratar de práticas de povos tradicionais.
2. Que
seja obedecido pelo IPHAN e Prefeitura de Belém o que estabelece a
Convenção 169 da OIT no seu artigo
6º acima transcrito no relativo à consulta aos povos
tradicionais. Esse procedimento deve corresponder a uma consulta livre, previa
e informada. O que difere da consulta
publica por intenet e ainda a anunciada
pelo IPHAN de realização de uma Audiência Pública para apresentação do projeto.
3. Que consoante a essas reivindicação anterior
seja revisto o prazo para esta etapa e a
imediata definida pelo IPHAN.
4. Que o
Ministério Público Federal – MPF focalize e insista junto ao IPHAN no tocante
aos dispositivos juridicos que dizem respeitos aos povos e comunidades
tradicionais do Pará. Até o presente nos parece não terem sido reconhecidos no
Projeto básico. Ainda que essa instancia
reitere o caráter das consultas públicas aos povos tradicionais.
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