As drogas e os terreiros
Por Patrick Oliveira
O dia já acordou exuberante, chuva e sol, frio e calor - eis a dinâmica
climática no Brasil Central. Como se não bastasse a angústia
dilacerada, levantar logo cedo, ir a academia exercitar o esqueleto e
sentir leve e de bem com a vida. Foi pensando em tudo isso, que no
corre-corre dessa manhã que comecei a pensar um pouco nessa questão das
relações... do terreiro com as drogas.
Depois de quase três meses viajando pelo sul/sudeste do Brasil,
conhecendo vários agentes sociais e falando de drogadição com
comunidades tradicionais de terreiros - fica um impasse desmedido que
compartilho com vocês. Os terreiros desde suas origens sempre foram
lugares primordiais do cuidado de uma população que se quer tinha acesso
aos médico de família e ao atendimento hospitalar. Sabemos bem que as
Ialorixás assumiram papéis de liderança junto as suas comunidades, cuja a
finalidade era a subsistência e a assistência a essa gente, que fora
tão negada e ausente de acesso. A vida não era fácil na senzala, nem
foi fácil no mocambo, o que dirá no morro, na favela. As questões de
cuidado e de saúde sempre tiveram presente na rotina dos terreiros.
Espaço por excelência do cuidado, do bem-estar, da saúde, do axé (a
energia vital da vida).
As drogas atingem os terreiros das
formas mais diversas - direta ou indiretamente. A questão é que um
envolvimento nas drogas pode afetar todo um sistema familiar e por esse
viés conduzir o grupo familiar para diversas dinâmicas de ajuda. As
vezes um membro da família, vai ao terreiro para buscar uma
coletividade, uma segunda família, uma vez que isso se ausenta de certa
forma para ele. As vezes o membro da família que aproxima do terreiro
nem seja o usuário propriamente, e essa pessoa, chega ao terreiro
trazendo a demanda de todo o contexto familiar dela.
A
Psicologia de Grupo tem ensinado o quanto o grupo pode ser afetado por
um dos seus membros, profundamente adoecido - esse membro pode sim,
modificar toda a rotina do grupo, inclusive perturbá-lo. No terreiro o
equilíbrio, a disciplina, o cuidar de si e do outro, se faz presente,
sobretudo pela própria dimensão do sagrado na vida das pessoas. No
terreiro o abian (abión) aprende desde cedo que seu corpo é templo,
morado do sagrado (dos orixás).
A pedagogia dos terreiros, a
cosmogonia que ali se faz presente, herança africana - convoca o
iniciante a uma restruturação e reorganização da vida, para além dos
pressupostos hedonistas, capitalistas, individualistas etc., do mundo
pós-moderno. A rotina do terreiro faz o convite a coletividade, a
partilha, a respeitabilidade, o sagrado, o cuidado e o aprendizado.
Uma criança que desde os primeiros momentos da vida, aprendeu a viver
na lógica do terreiro, introjetando a cosmovisão de mundo ali presente,
terá muito mais subsídios para dizer não as drogas, do que uma criança
que foi educada no individualismo, no culto exacerbado ao capital e ao
corpo. No terreiro se entende que o corpo faz parte de uma ciranda
(xiré) coletivo, ele é entregue a comunidade-terreiro para ser morada de
deuses e deusas.
As drogas é uma questão de cunho
sócio-econômico, muitos jovens entram nas drogas por ausências de
oportunidades na vida, pelo desemprego e por que o capitalismo manda
mesmo para a criminalidade, para as drogas jovens que não tem condições
de bancar o engodo do capital, o luxo e o consumismo que o capitalismo
tanto prega. Mas manda também para as drogas jovens que no sem-sentido
da vida, se embebeda no individualismo, na demasia e na ótica do tudo
ter. Na ausência do sentido de existência, as drogas entra como
anestesia frente a dor de existir - um problema comum em sociedades
capitalistas, neo-liberal e por demais individualistas.
A
estadia nessas comunidades-terreiros foi para mim enquanto psicólogo,
negro e herdeiro da ancestralidade de matriz-africana momento impar de
leitura, de analise e sobretudo de sistematização da importância dos
terreiros no cuidado com a saúde das pessoas e no cuidado com a vida. E o
quanto os terreiros tem sido parceiros do SUS (Sistema Único de Saúde),
no que se refere a saúde sobretudo de populações menos favorecidas.
Enquanto as drogas e seus dilemas aumentam, dilacerando a vida e o
viver, entendo prontamente que as comunidades de terreiros podem em
parcerias com uma rede de assistência, em parceria com a comunidade e
com o sistema público de saúde ser propulsora de saúde, de bem-estar e
de vida. Nessa época onde nossos jovens negros tem sido brutalmente
assassinados, é preciso que toda a sociedade civil seja convocada,
alertada e convidada a participar desse mutirão a favor da vida e da
dignidade da pessoa humana - nessa empreitada toda os terreiros não
podem ficar de fora.
Patrick de Oliveira é Psicólogo,
Psicanalista e Assessor Nacional da Rede Afro Ewó de Prevenção as
Drogas. É Diretor do Núcleo de Atendimento Psicanalitico em Álcool e
Outras Drogas - NAPsi-Ad.
Texto gentilmente cedido por Patrick de Oliveira para publicação no blog do Instituto Nangetu.
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