sábado, 19 de janeiro de 2013

Saúde: "As drogas e os terreiros".

As drogas e os terreiros
Por Patrick Oliveira

O dia já acordou exuberante, chuva e sol, frio e calor - eis a dinâmica climática no Brasil Central. Como se não bastasse a angústia dilacerada, levantar logo cedo, ir a academia exercitar o esqueleto e sentir leve e de bem com a vida. Foi pensando em tudo isso, que no corre-corre dessa manhã que comecei a pensar um pouco nessa questão das relações... do terreiro com as drogas.

Depois de quase três meses viajando pelo sul/sudeste do Brasil, conhecendo vários agentes sociais e falando de drogadição com comunidades tradicionais de terreiros - fica um impasse desmedido que compartilho com vocês. Os terreiros desde suas origens sempre foram lugares primordiais do cuidado de uma população que se quer tinha acesso aos médico de família e ao atendimento hospitalar. Sabemos bem que as Ialorixás assumiram papéis de liderança junto as suas comunidades, cuja a finalidade era a subsistência e a assistência a essa gente, que fora tão negada e ausente de acesso. A vida não era fácil na senzala, nem foi fácil no mocambo, o que dirá no morro, na favela. As questões de cuidado e de saúde sempre tiveram presente na rotina dos terreiros. Espaço por excelência do cuidado, do bem-estar, da saúde, do axé (a energia vital da vida).

As drogas atingem os terreiros das formas mais diversas - direta ou indiretamente. A questão é que um envolvimento nas drogas pode afetar todo um sistema familiar e por esse viés conduzir o grupo familiar para diversas dinâmicas de ajuda. As vezes um membro da família, vai ao terreiro para buscar uma coletividade, uma segunda família, uma vez que isso se ausenta de certa forma para ele. As vezes o membro da família que aproxima do terreiro nem seja o usuário propriamente, e essa pessoa, chega ao terreiro trazendo a demanda de todo o contexto familiar dela.

A Psicologia de Grupo tem ensinado o quanto o grupo pode ser afetado por um dos seus membros, profundamente adoecido - esse membro pode sim, modificar toda a rotina do grupo, inclusive perturbá-lo. No terreiro o equilíbrio, a disciplina, o cuidar de si e do outro, se faz presente, sobretudo pela própria dimensão do sagrado na vida das pessoas. No terreiro o abian (abión) aprende desde cedo que seu corpo é templo, morado do sagrado (dos orixás).

A pedagogia dos terreiros, a cosmogonia que ali se faz presente, herança africana - convoca o iniciante a uma restruturação e reorganização da vida, para além dos pressupostos hedonistas, capitalistas, individualistas etc., do mundo pós-moderno. A rotina do terreiro faz o convite a coletividade, a partilha, a respeitabilidade, o sagrado, o cuidado e o aprendizado.

Uma criança que desde os primeiros momentos da vida, aprendeu a viver na lógica do terreiro, introjetando a cosmovisão de mundo ali presente, terá muito mais subsídios para dizer não as drogas, do que uma criança que foi educada no individualismo, no culto exacerbado ao capital e ao corpo. No terreiro se entende que o corpo faz parte de uma ciranda (xiré) coletivo, ele é entregue a comunidade-terreiro para ser morada de deuses e deusas.

As drogas é uma questão de cunho sócio-econômico, muitos jovens entram nas drogas por ausências de oportunidades na vida, pelo desemprego e por que o capitalismo manda mesmo para a criminalidade, para as drogas jovens que não tem condições de bancar o engodo do capital, o luxo e o consumismo que o capitalismo tanto prega. Mas manda também para as drogas jovens que no sem-sentido da vida, se embebeda no individualismo, na demasia e na ótica do tudo ter. Na ausência do sentido de existência, as drogas entra como anestesia frente a dor de existir - um problema comum em sociedades capitalistas, neo-liberal e por demais individualistas.

A estadia nessas comunidades-terreiros foi para mim enquanto psicólogo, negro e herdeiro da ancestralidade de matriz-africana momento impar de leitura, de analise e sobretudo de sistematização da importância dos terreiros no cuidado com a saúde das pessoas e no cuidado com a vida. E o quanto os terreiros tem sido parceiros do SUS (Sistema Único de Saúde), no que se refere a saúde sobretudo de populações menos favorecidas.

Enquanto as drogas e seus dilemas aumentam, dilacerando a vida e o viver, entendo prontamente que as comunidades de terreiros podem em parcerias com uma rede de assistência, em parceria com a comunidade e com o sistema público de saúde ser propulsora de saúde, de bem-estar e de vida. Nessa época onde nossos jovens negros tem sido brutalmente assassinados, é preciso que toda a sociedade civil seja convocada, alertada e convidada a participar desse mutirão a favor da vida e da dignidade da pessoa humana - nessa empreitada toda os terreiros não podem ficar de fora.

Patrick de Oliveira é Psicólogo, Psicanalista e Assessor Nacional da Rede Afro Ewó de Prevenção as Drogas. É Diretor do Núcleo de Atendimento Psicanalitico em Álcool e Outras Drogas - NAPsi-Ad.


Texto gentilmente cedido por Patrick de Oliveira para publicação no blog do Instituto Nangetu.

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