quarta-feira, 27 de junho de 2012

10 de julho, terça-feira, Sessão especial sobre folclore nordestino e lutas sociais no Cineclube Nangetu.

O curta-metragem paraibano A árvore da Miséria, de Marcus Vilar, e o longa-metragem cearense A saga do guerreiro alumioso, de Rosemberg Cariry, têm dois aspectos em comum: suas histórias se inspiram no folclore nordestino e seus realizadores são há muito ativos e ferrenhos defensores da produção audiovisual na região.
O curta-metragem parte de um conto popular e apresenta a ótima história da mulher que enganou a Morte. E o longa-metragem é uma ambiciosa alegoria que, em plena era Collor, árida para o cinema brasileiro, usa folguedos regionais e personagens comuns para defender a reforma agrária e criticar o poder dominante. A obra de Cariry conquistou os prêmios Candango de melhor filme pelo júri popular, de melhor ator (Emmanuel Cavalcanti) e de melhor ator coadjuvante (Joaquim Francisco Alves) no 26º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro.

Terça-feira, 10 de julho, 19h
Cineclube Nangetu,
Tv, Pirajá, 1194 - Marco da légua
Belém/PA.
Fone - 91-32267599


A saga do guerreiro alumioso; de Rosenberg Cariry, 1993, 79min.
Em Aroeiras, cidade fictícia dos sertões do Ceará, vive Genésio, velho, viúvo sem filhos, aposentado, preenchendo a solidão bebendo cachaça e contando histórias e bravatas sobre os antigos cangaceiros. Baltazar, colega de copo de Genésio é líder camponês e vê o cangaço como uma luta popular superada, buscando novas formas de combater os poderosos locais. Na pequena cidade, as autoridades são alvo da crítica popular, em brincadeiras como o “serra velho” e a “malhação de Judas”. Isto gera conflito com a polícia. Ao mesmo tempo, a astúcia das elites tenta controlar a direção do sindicato rural. E, em meio a esta situação, surge e ressurge a figura estranha da louca Delfina, profetizando a vinda de um restaurador da ordem e da justiça. A vida de Genésio poderá mudar ao encontrar-se com Rosália, a moça que “virará cobra” num espetáculo de feira. Enquanto sonha com o amor e com o heroísmo nostálgico, Aroeiras é palco de uma tragédia. 


A árvore da miséria, de Marcus Vilar, 1989, 12 min.
Depois de expulsar alguns meninos de sua árvore, D.Miséria atende um mendigo que se diz enviado de Deus. Seu cotidiano é modificado quando a morte vem buscá-la para o outro mundo.


O FOLCLORE REGIONAL INSPIRA PRODUÇÃO 
AUDIOVISUAL NORDESTINA
Christian Petermann*

Como entrada para esse programa, o curta-metragem A árvore da Miséria oferece, de forma simples e em preto e branco, a recriação em imagens de um causo de tradição oral. A ótima atriz paraibana Soia Lira interpreta D. Miséria, uma mulher ranzinza que tem zelo extremo pela frondosa macieira que se ergue alta em seu quintal. Ao conceder um favor a um mendigo que se diz enviado de Deus (Nanego
Lira), ela recebe o direito de fazer um pedido. E este pedido mais à frente a fará se livrar da Morte (Everaldo Pontes, outro veterano ator da região). O roteiro, redondo e com bom final, foi coescrito pelo diretor Marcus Vilar, por Torquato Joel (também diretor-assistente) e por W. J. Solha, todos eles atuantes na área cultural paraibana.
O cineasta Rosemberg Cariry, ativo em cinema desde 1975, é exseminarista, filósofo de formação e pesquisa a cultura e o imaginário popular brasileiros, em especial os do Nordeste, tomando sempre o regional pelo universal.
Em A saga do guerreiro alumioso, seu segundo longa-metragem, ele concebe uma farsa burlesca, coproduzida com o Instituto Português da Arte Cinematográfica e Audiovisual (Ipaca). Seu protagonista é Genésio (Emmanuel Cavalcanti, outro veterano nordestino, em atuação libertária), aposentado, viúvo e sem filhos, que tem obsessão pelo cangaço e que afoga a solidão com goles de cachaça. Ele vaga e divaga perdido pela fictícia cidade de Aroeiras, em meio a um cada vez mais tenso conflito entre latifundiários e camponeses, entre a elite e o sindicato rural. Genésio
cruza com personagens insólitos, como a louca Delfina, e atravessa procissões folclóricas. O filme, nesta soma, tem aspirações sociopolíticas de esquerda e traduz
uma inquietude criativa tipicamente latino-americana, com engajamento social e realismo quase fantástico. Em boa parte por esse caráter inquisidor e lúdico, de grande interesse cultural, o filme de Cariry circulou por muitos festivais internacionais, por países como Portugal, França, Itália, Bélgica, Cuba, Uruguai, Colômbia, EUA e Canadá.
O discurso transita entre o crítico e o ingênuo, característica inerente à expressão popular. A presença da “narradora que profetiza”, Delfina, também prenuncia um final de tragédia inevitável. Um capítulo à parte no filme é a bela e rica trilha sonora, marcada por ótimos baiões e forrós. Muitas das músicas originais, a maioria
composta por Cleivan Paiva (que toca cordas), têm letras criadas pelo próprio Cariry. Há duas bonitas canções de Firmino Holanda/Oswald Barroso, Pedra cristalina e Besta fera, e o cantor Falcão marca presença ao vivo interpretando dois grandes sucessos, I’m not dog no, sua versão muito particular do clássico de Waldick Soriano, e Um bodegueiro na FIEC. E há também um videoclipe exibido no meio do longa, que marca a inauguração da TV local na trama e é editado com imagens contundentes do noticiário de então. Esse clipe tem música incidental de ninguém menos que Wagner Tiso, um dos maiores trilheiros do nosso cinema, e Hermeto Pascoal, compositor e instrumentista de renome internacional. Somadas, as duas obras perfazem um retrato íntimo e poético do homem nordestino e de algumas de suas tão genuínas tradições.

* Crítico de cinema, colabora no Guia da Folha de S.Paulo, na revista Rolling Stone
e no programa Todo Seu (TV Gazeta/SP); ministra cursos, palestras e workshops,
além de mediar o projeto “Era Uma Vez… SP” (CineSesc/SP) e ser curador do
festival “Cine MuBE – Vitrine Independente” (SP).

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