Nos dias 28 e 29 de
agosto, quarta e quinta-feiras próximas, no Parque dos Igarapés, em
Belém, o estado do Pará realiza a III Conferência Estadual de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CONEPPIR), momento em
que a sociedade e os governos tem a responsabilidade de avaliar tudo
o que já foi feito e o que ainda é preciso fazer para um
alcançarmos um “Brasil afirmativo”.
O que mais ouvimos nos
últimos anos é a frase “Políticas tem, é preciso aplicá-las!”,
e neste momento, a responsabilidade que se apresenta para um diálogo
entre gestão e sociedade, é a construção de estratégias
conjuntas para 'desembolar o meio de campo' para que, enfim, possamos
virar o jogo das desigualdades étnicas e raciais.
Brasil: 10 anos de
promoção de igualdade em 5 séculos de exclusão.
Este ano de 2013 a
Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
(SEPPIR), completa 10 anos de
existência, a criação da secretaria (com status de ministério)
para a promoção de políticas públicas de igualdade racial
só pode se tornar real no início do primeiro ano de governo Lula.
Mas num país cuja sociedade pratica os mais pérfidos mecanismos de
exclusão motivado por ódio (ou talvez mesmo por desprezo) racial,
se é que naquele momento de euforia, em 2003, existiam crédulos que
a criação de um ministério iria de uma hora para outra mudar as
relações raciais no seio da sociedade e, como num passe de mágica,
garantir de imediato a cidadania da população de origem africana na
diáspora brasileira, hoje, dez anos depois, todos podem perceber que
ainda há muitos decênios futuros de intervenção na sociedade (e
na política do país) para que essas intenções se concretizem e
tornem o Brasil, de fato, um país afirmativo onde se vivencie as
diferenças em condições de respeito e igualdade de oportunidades e
de direitos.
Ao contrário do que
pode-se concluir numa leitura apressada, a criação da SEPPIR, que é
fruto de pelo menos quatro décadas de luta do movimento social
negro, é sim um grande avanço. E mesmo que as políticas públicas
propostas pela secretaria enfrentem dificuldades de chegar até a
outra ponta, ou seja, que afetem as condições de vida da população
negra brasileira, por outro lado a própria existência do órgão é
um enfrentamento explícito à ideologia difundida pela elite
eurocentrica que até então governava o país, de que não existia
racismo e que o Brasil seria um exemplo de democracia racial.
Essa mudança é
importante! E é importante porque quando a estrutura de governo
reconheceu a existência do racismo, também promoveu o debate sobre
as desigualdades sociais por motivação baseadas em preconceito
étnico e racial e fez com que essas questões fossem debatidas no
Congresso Nacional, por exemplo, quando da aprovação da LEI Nº
12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010, também conhecida como o Estatuto da
Igualdade Racial; ou quando se instalou o debate sobre a LEI Nº
12.711, DE 29 DE AGOSTO DE 2012, que dispõe sobre cotas sociais que
consideram o percentual da população negra de cada estado para o
ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de
ensino técnico de nível médio. A verdade é que esses debates
públicos contribuíram, e muito, para a população brasileira
reconhecer a existência e construir opinião favorável à
implantação de políticas de promoção da igualdade racial e
combate ao racismo.
Apesar dos avanços que
provocaram uma mudança na opinião pública brasileira, a reação
vinda da força política dessa mesma elite que se contrapõe à
implantação de políticas públicas específicas para a população
negra, continua a embarreirar a aplicação dos marcos legais de
igualdade racial no Brasil, e, com isso, a efetivação de políticas
que provoquem mudanças capazes de ser percebidas pelo cidadão.
Um dos maiores entraves
enfrentados no combate ao racismo encontramos no Poder Judiciário, e
a justiça brasileira ainda se comporta de forma conservadora quando
o caso é de racismo. Facil de comprovar essa afirmação é perceber
que apesar de legalmente tratar-se de crime inafiançavel, as
estatísticas de condenação por racismo revelam números
inexpressivos, e isso acontece porque ao longo dos processos o
sistema judiciário transforma as denuncias por crime de racismo em
injuria, ou simplesmente absolve os réus por falta de provas.
Entretanto, o judiciário
não é o único marco de resistência para a efetivação de ações
de combate ao racismo, e na própria gestão do mesmo governo que
criou a SEPPIR vemos uma silenciosa resistência em executar ações
dessa natureza...
Na educação vamos
encontrar um bom exemplo, de um lado temos a maioria dos professores
a se esquivar da responsabilidade da abordagem de disciplinas
valorizando a história e a cultura africana e afro-brasileira, e por
outro, mesmo que o MEC tenha criado a SECAD em sua estrutura, esta
secretaria não tem o controle sobre a presença do conteúdo no
material didático produzido pelo ministério da educação e
distribuído para as escolas públicas em todo o território
nacional, e sem o empenho dos professores e nem a presença dos
conteúdos nos livros didáticos, como vamos emplacar a Lei
10.639/03?
Esse “jogo de empurra”
faz parte da face perversa do racismo à brasileira, é como um
inimigo não identificado, mas que é poderoso e em silêncio
institucionaliza o racismo e impede que as diretrizes da política
afirmativa resulte em ações que possam vir a promover impactos de
valorização positiva para a população negra.
O Pará se tornou a
terra da violação de direitos.
Já temos quase 5 anos do
ensolarado novembro de 2009 quando aconteceu o lançamento do Plano
Estadual de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, mas até
agora este plano parece uma daquelas leis criadas para não terem
efeito.
Instituído pelo Decreto
Nº 1.404, dentro dos termos da Lei 6.941/ 07, o plano estabeleceu
políticas específicas para a população negra, foi desenhado
depois de um amplo processo de discussão envolvendo onze secretarias
e órgãos da administração estadual e cinco entidades do movimento
negro que se debruçaram na sua elaboração por dois anos seguidos.
O Pará aprovou o plano,
mas a apatia pública para fazer valer as leis de combate ao racismo
e promoção da igualdade racial parece ser mais forte ainda quando
circunscrita nas fronteiras do estado do Pará. Aqui talvez ainda nos
falte um governante com a sensibilidade de Lula para criar
instituições realmente capazes de articular políticas e ações
para a diversidade racial, para a diversidade social, ou mesmo para a
diversidade cultural. E é assim que a criação da Secretaria
Estadual de Igualdade Racial/ SEIR-PA até então não passou de uma
promessa pública do atual governador. A crítica vale também para a
governadora que antecedeu a atual gestão, ela também chegou cogitar
a criação de uma secretaria para o sistema PIR, para depois,
silenciosamente, trocar a secretaria por coordenadorias em algumas
secretarias e fazer a proposta da secretaria própria cair no
esquecimento.
Também não é à toa
que a atual gestão da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos/
SEJUDH passou quase um ano sem um coordenador de igualdade racial,
como também não parece causar estranheza à ninguém que a
Secretaria de Estado da Cultura/ SECULT, não tenha uma diretoria que
fortaleça e promova as culturas afro-amazônicas e nem tampouco de
diversidade cultural.
A avaliação é de que
os governantes paraenses não demonstram nenhum interesse em promover
a igualdade racial neste estado, não aplicam, por exemplo, o
Programa Pará-quilombola, incluso no Plano Estadual de Igualdade
Racial, e o resultado dessa postura racista (racista sim, por que não
dizer?) dos políticos e governantes paraenses é o agravamento da
grilagem de terras que o agro-negócio promove em busca de expansão
para terras quilombolas, e com a grilagem vem o aumento da violência
nas áreas rurais, como é o recente caso do assassinato do sr.
Teodoro Lalor de Lima (que dá nome para esta conferência estadual),
liderança que denunciava e liderava a resistência contra o
fazendeiro Liberato de Castro e as suas intenções do avanço da
monocultura do arroz no quilombo de Gurupá, às margens do rio de
mesmo nome em Cachoeira do Arari, arquipélago do Marajó.
Mais invisível que as
comunidades tradicionais quilombolas, estão os povos
tradicionais de matriz africana do Pará - também conhecidos como povos de
terreiro. Mesmo que no início de 2013 a SEPIR-PR tenha lançado o Plano Nacional de Sustentabilidade de Povos Tradicionais de Matriz Africana, e que exista verba ministerial para desenvolver políticas para povos de matriz africana na saúde, na cidadania e direitos humanos, na cultura, na educação, na habitação e em outras áreas, o governo do estado e as prefeituras não se habilitam como parceiros do governo federal para atender essa população, e sem políticas públicas eficazes, as comunidades que
reúnem esses povos vêem o racismo religioso promover diariamente o aumento da
violência simbólica sobre suas tradições.
Sem nenhuma ação
estatal de proteção e preservação das tradições
afro-amazônicas, os povos de terreiro do Pará estão 'entregues à própria
sorte', e a resistência contra os avanços dessa violência dependem
unicamente da sua organização social.
Segundo tempo....
Mais do que nunca, a maior urgência para a III CONEPPIR-PA, é forçar um diálogo real com o governo do Pará, mesmo sabendo que não há interesse da gestão, e cobrar a presença dos secretários de estado e sos seus coordenadores de PIR para que esta conferência não se torne um diálogo apenas entre movimentos sociais, e para que possamos comprometer os gestores em ações concretass para que os movimentos sociais e tradicionais negros possam ocupar os conselhos e fóruns em cada secretaria, e intervir diretamente na elaboração e realização de ações afirmativas. O que precisamos é participar efetivamente da gestão.
Também é preciso criar o ambiente propício para ocupar os espaços da imprensa, assim como é necessário que os movimentos invistam na formação de lideranças para a criação e funcionamento de canais de comunicação comunitária. É preciso sair do conforto doméstico de nossas casas e ganhar o espaço público de intervenção política.
Enfim, é preciso forçar o governo estadual e os prefeitos municipais ao diálogo com a negritude paraense, pois o diálogo é a condição necessária para encontrar mecanismos de fazer a bola rolar para ganhar esse jogo cujo objetivo é também um Pará afirmativo.
São Paulo/SP, 25 de agosto de 2013.
Táta Kinamboji (Arthur Leandro).
Kisikar'Ngomba ria Nzumbarandá/ Mansu Nangetu.Conselheiro Nacional de Política Cultural/ MinC (representando as culturas afro-brasileiras)
Coordenador Estadual (PA) da ARATRAMA - Articulação Amazônica do Povo Tradicional de Matriz Africana.
Coordenador Estadual (PA) da RAN - Rede Amazônia Negra.
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